quarta-feira, 24 de junho de 2009

COMPASSO DE ESPERA

Vivo um inverno emocional. E como sou "metida", pouca coisa não me serve; este inverno é no estilo europeu: Muita gelo cobrindo as pastagens, flocos de neve flutuando no ar e um frio de bater os dentes. Que estação rigorosa!

Como acontece no solo daquele continente, meu coração também apresenta uma crosta gelada, no que diz respeito aos afetos. Criou em torno de si uma capa fria que desencoraja quem deseja explorá-lo. Alguns corajosos tentam, mas não conseguem romper as barreiras criadas naturalmente por condições alheias aos seus desejos. Os medrosos desistem ante à menor perspectiva de dificuldade.

Mas nem por isso seu ambiente é inóspito. Este coração, após um longo outono, apenas condicionou-se a sobreviver na adversidade. Por ele passam sentimentos, ainda que sufocados pelo solidão desta reclusão necessária. Espera ainda pela alegria de um adulto que se faça criança na brincadeira com bolas de neve.

Cavando seu solo, ainda que bem profundo, pois a camada de gelo é espessa, será possível perceber que existem plantas com as raízes vivas esperando o degelo e os raios de sol que possibilitarão sua rebrota. Há também muitas sementes em estado de dormência, prontas a romper suas cascas na estação propícia.

E quando a primavera chegar, vicejarei, com esplendor e beleza, mesmo que a dureza do inverno passado seja lembrada, porém, sem ofuscar a luz do presente. Meu coração, um fiel depositário das emoções, aprendeu o sentido da palavra razão. Hoje ele entende e assimila que escuridão é simplesmente ausência de luz e que na obscuridade se aprende a ter coragem para uma entrega plena, com toda força e ternura que lhe são peculiares, quando o momento oportuno chegar.

"Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa tentar
Uma nova canção
Que venha nos trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender."
(Beto Guedes)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

QUANDO FALA O CORAÇÃO

Não me fizeste necessária.
Andei pela tua vida e não me notaste
Caminhei horas a fio ao teu lado e não me enxergaste
Tanto amor tive, tanto amor senti, tanto amor ofereci...
Não fui notada, não fui necessária.
Esperei um gesto, uma palavra, um toque de mão
Esperei um olhar, um sorriso, um aceno...
Não me fizeste necessária.
Não deixaste que eu participasse dos teus momentos, como atriz principal, nem coadjuvante. Negaste-me qualquer papel.
Negaste-me a oportunidade de dar amor
Negaste-me o direito de receber amor
Negaste-me a alegria de doar vida
Negaste-me a dádiva de receber vida...
E eu, que nada sei negar, ironicamente, nego-me a sentir rancor.

"Eu vou contar pra todo mundo
Eu vou pichar sua rua
Vou bater na sua porta de noite
Completamente nua
Quem sabe então assim
Você repara em mim."
(Ana Corolina em "Nua")

segunda-feira, 8 de junho de 2009

REMINISCÊNCIAS

Hoje, por breve momento, fechei os olhos ao presente e entrei num túnel de lindos momentos, gravados nas memórias de um passado situado num tempo distante. Recuperei alguns fragmentos de lembranças, com os quais fui montando um quebra-cabeças.

Verdes campos, riachos de águas limpas com peixinhos a nadar. Atiro pedras na água que saltitam, criando um efeito de luz e sons indescritíveis. Sinto um cheiro agradável de terra molhada aos primeiros pingos da chuva primaveril e minha visão se maravilha com as flores que anunciam a estação. Antecipo, na imaginação, a celebração pela brota das pastagens, comemorando a renovação da vida com a natureza em ação.

Tendo chuva abundante, haverá colheita farta. Caso contrário, iremos em procissão pela estrada pedregosa até o cruzeiro cravado na parte mais alta da propriedade, com garrafas d'água e flores do campo nas mãos, pedindo ao santo protetor que não nos deixe faltar o alimento de cada dia. Mamãe rezará o terço enquanto sua prole a seguirá, respondendo em coro a oração da Ave-Maria, entoando cânticos sacros, sem perceber a autoflagelação provocada pelo contato das pedras em nossos pés descalços. Afago o cão de estimação que nos segue abanando o rabo, perseguindo os pássaros que ousam atravessar nosso caminho. Meu semblante é alegre; nas faces estampo um rosado saudável e expressão de felicidade.

De repente o soar de uma sirene interrompe a viagem, obrigando-me a fechar os olhos ao passado. Subitamente me vi em meio à cor cinzenta das construções de concreto, com cheiro da poluição dos carros, dos sons que ferem meus ouvidos. Os olhos ardem, a visão fica turva, não sei se pela fumaça poluidora ou pelas lágrimas que insistem em brotar, motivadas pela saudade de um tempo e de pessoas que vivem apenas nas lembranças.


"Eu queria ter na vida, simplesmente
Um lugar de mato verde, pra plantar e pra colher
Ter uma casinha branca, de varanda,
Um quintal e uma janela,
Para ver o sol nascer".
(Gilson em Casinha Branca)

sábado, 6 de junho de 2009

EXISTE VIDA "ALÉM DE"

Nos caminhos em que passeias há marcas dos meus passos.
Vivi as emoções e encantos de um vestido branco e buquê de rosas nas mãos. Senti as alegrias e desventuras da convivência ao lado da cara-metade. Perdi espaços, sabiamente construí mundo novo. Engavetei amizades, enchi um baú de outras tantas. Enclausurei-me por vontade própria no universo que criei. Abdiquei de muitos sonhos em razão de motivos que considerei justificados. Sabotei meus desejos, crescimento, música, poesia em função de um relacionamento de juras eternas.

Nos caminhos em que passeias há sinais de minhas lágrimas.
Vivi as agruras do desenlace. Em vida! Senti o rompimento dos laços afetivos, como um sanguessuga que não sobrevive sem o sangue da sua vítima. Atirei-me num mar de sofrimento, e só enxergava o bote salva-vidas que partia do barco que já navegava outros mares. Estive no limiar entre razão e loucura, só recuperando a lucidez quando me senti abandonada por todos.

Nos caminhos em que passeias, perceba, há sinais de perdão.
Amei, fui amada. Perdoei, fui perdoada. Por isso, nesse caminho não restou ressentimento pelo que foi, pelo ciclo de vida que encerrou-se. Se hoje estou na contramão da estrada, saiba que é uma preparação para refazer o itinerário; com novos objetivos, novos sonhos e sem cara-metade. Há que se ter aprendido a viver com sabedoria. Há que se ter aprendido a cair, levantar, curar as feridas e seguir. Quando entrelaçar as mãos para nova caminhada, quero que ambos estejamos inteiros. Não há mais lugar para cavalos brancos, carruagem, príncipe e princesa. Também não existem sapos. Tenho aprendido a não endeusar quem encontro pelo caminho e por outro lado, meus olhos estão mais condescendentes, exergando nos defeitos do outro pontos de melhoria em mim. É o amadurecimento se fazendo presente. São as experiências sofridas do ontem contribuindo para a construção de um hoje mais equilibrado e de um amanhã... Ah, o amanhã! Esse é um mistério que somente a Deus pertence!

"Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar"
(Milton Nascimento em Encontros e Despedidas)